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Camilo Onoda Caldas

IGUALDADE E AÇÕES AFIRMATIVAS

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Camilo Onoda Caldas

O Congresso Nacional não aprovou os artigos do Estatuto da Igualdade Racial que versavam sobre ações afirmativas para acesso às universidades federais. O chamado “sistema de cotas” incluía reserva de vagas para negros e índios. Essa é uma questão de alta complexidade, que precisa ser debatida com seriedade. De maneira sucinta, queremos aqui suscitar a reflexão de alguns pontos, ajudando a eliminar alguns preconceitos e lugares comuns sobre o tema.

O debate

A grande mídia se manifesta sobre esse tema de maneira míope e parcial. Muitas revistas e jornais de circulação nacional, inclusive, sequer dão espaço para os defensores das ações afirmativas.

Quando muito, reproduzem os argumentos favoráveis de maneira distorcida, para em seguida criticá-los. Não é à toa que a maioria das pessoas está muito mal informada sobre o assunto.

O problema da pobreza

“As cotas devem ser para as pessoas pobres, não para negros”. Esse é talvez o argumento mais comum sobre o tema. Ele deve ser analisado com cautela considerando dois aspectos.

Estudantes de escola pública

Há projetos de lei que contemplam a reserva de vagas para estudantes oriundos da escola pública, portanto, abrange os menos favorecidos economicamente, independentemente da cor da pele.

Os negros

O argumento que defende o critério econômico para as cotas, na verdade, é o fundamento da ação afirmativa em prol dos negros. Todos os indicadores sócio-econômicos são unânimes: os negros têm ganhos inferiores aos brancos pelo fato de ser negros. A diferença salarial, inclusive, torna-se maior conforme aumenta seu grau de escolaridade. A causa: racismo.

Estatística

O sociólogo português Boaventura Santos faz uma observação oportuna: só quem é homem acha que o machismo acabou, assim como só quem é branco é capaz de dizer que o racismo não existe mais. O racismo é sim uma prática disseminada no Brasil e não faltariam exemplos para ilustrar sua existência. Prefiro me ater a algumas estatísticas. Pesquisa do Seade/Dieese aponta que na Grande São Paulo a renda dos negros é metade da dos não-negros. São R$ 4,36 por hora, em média, contra R$ 7,98.

Escolaridade

Os que insistem em negar a existência do racismo logo dizem: a diferença ocorre porque a escolaridade de negros e não-negros é diferente. Mito. O indivíduo negro que não concluiu o ensino fundamental tem rendimento real de R$ 3,44/hora, e o do não-negro, R$ 4,10/hora. Diferença de 19,2%. Entre indivíduos com nível superior, temos R$ 13,86/hora para os negros, R$ 19,49/hora para os não-negros. Diferença de 40%.

Explicação

Nas profissões em que não se exige escolaridade, as remunerações estão mais próximas ao salário mínimo. Quando se trata de profissões que exigem nível superior, as remunerações são maiores e, portanto, o racismo fica mais evidente como elemento que impede os negros de conseguirem ocupações mais valorizadas e bem remuneradas.Por essa razão, é incorreto imaginar que uma política pública de inclusão social deve ter como único critério a renda do cidadão. A ação afirmativa baseada na cor da pele procura justamente corrigir a situação econômica desigual dos negros que torna mais difícil para eles ter acesso à universidade pública.

Raça

Alguns querem transformar as ações afirmativas em um problema, quando na verdade o problema mesmo é outro: o racismo. Cinicamente, alguns dizem que as cotas não podem ser adotadas, porque não existem “raças”. É verdade. Não existem raças humanas diferentes. Racismo, porém, existe. E o desprezo racial, consciente ou inconsciente, é responsável pela situação desfavorável vivida por negros. As cotas não visam ao favorecimento, visam a corrigir desigualdades.

Isonomia

Um dos argumentos contrário às cotas é: “Todos são iguais perante a lei”. Somente quem não entende nada de igualdade, pode dizer que por essa razão não podem existir cotas.

Desigualdade

O filósofo grego Aristóteles, em sua obra clássica “Ética a Nicômaco”, ensinava que justiça é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Justamente pelo fato de haver racismo, e isso resultar no menor acesso dos negros à universidade, é que as ações afirmativas devem existir.

Constitucionalidade

A idéia de que a isonomia – igualdade perante a lei – comporta tratamentos diferenciados é perfeitamente constitucional. Tanto é assim, que a própria Constituição Federal brasileira contém artigos neste sentido. A aposentadoria das mulheres, por exemplo, é garantida mais precocemente que a dos homens. Motivo: a desigualdade. As mulheres estão submetidas a uma dupla jornada de trabalho – doméstica e profissional – e isto justifica a desigualdade perante a lei.

Meritocracia

Outro argumento contrário às cotas é o da “meritocracia”. Quem tem melhor desempenho tem direito às vagas. Justamente o que as ações afirmativas querem garantir é a meritocracia. A existência do preconceito torna mais difícil para certos grupos sociais atingir o mesmo desempenho do que outros. Porém, quando se é homem, branco, de classe média, isso é imperceptível e, portanto, tais dificuldade parecem irreais. Mas elas existem. Exemplifico citando o caso das mulheres: quando elas conseguem alcançar a mesma posição social que os homens – no meio político ou profissional – alguém acredita que elas tiveram de superar os mesmos obstáculos para se igualar? O mesmo vale para negros e brancos no vestibular. Um negro com desempenho igual a um branco, portanto, tem mais méritos, pois, como demonstramos acima, ser negro implica numa série óbices sociais com implicações materiais.

Conclusão

Talvez a única crítica legítima contra o regime de cotas seja a de viés marxista, que pode ser resumido da seguinte maneira: as cotas não acabam com as contradições estruturais do capitalismo, ou seja, no máximo, as cotas levarão os negros a reproduzir as mesmas iniqüidades praticadas hoje pelos brancos nesse sistema econômico (em suma, o problema central seria acabar com os algozes, não mudar sua cor). De fato, é preciso reconhecer o caráter limitado das cotas. No entanto, isso não a exclui como possibilidade concreta de melhorar a qualidade de vida dos negros, ainda que dentro dos estritos do limite do capitalismo. Mais do que isso: sem dúvida nenhuma, a ascensão econômica dos negros, por meio da educação, irá diminuir o racismo – pois uma de suas causas decorre justamente dos negros serem mais pobres e trabalharem em atividades de menor prestígio. Ao ocupar posições sociais mais elevadas, os preconceitos sobre os negros tendem a diminuir. Por isso, mesmo do ponto de vista marxista, a defesa de cotas é coerente e necessária.

Camilo Onoda Caldas é bacharel em Direito e mestre em Direito Político e Econômico (Universidade Presbiteriana Mackenzie), doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – Universidade de São Paulo (USP). É também Bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). É autor da obra Perspectivas para o Direito e a Cidadania (Ed. Alfa-Ômega) e, em conjunto com outros autores, do livro Manual de Metodologia do Direito: Estudo e Pesquisa (Ed. Quartier Latin). Foi editor da revista jurídica Direito e Sociedade. Foi pesquisador na área de Direito em projeto do Ministério da Justiça do Brasil em parceria com as Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, é Diretor do Instituto Luiz Gama, advogado, colunista político do jornal O Regional, professor da Universidade São Judas (São Paulo) e de cursos preparatórios na Área de Direito.

A CAMPANHA CONTRA O RACISMO DA UNICEF

A CAMPANHA CONTRA O RACISMO DA UNICEF 150 150 Camilo Onoda Caldas

Camilo Onoda Caldas

A UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância – está presente no Brasil desde 1950, e no ano de 2010 lança uma campanha de combate ao racismo. Uma iniciativa importante, sobretudo no Brasil onde setores conservadores atacam ou silenciam sobre iniciativas dessa natureza, ou ainda, insistem em dizer que “não somos racistas”, baseados na falsa premissa de que isso não poderia ocorrer em um país de cidadãos miscigenados.

Segundo os idealizadores da campanha “a UNICEF e seus parceiros fazem um alerta à sociedade sobre os impactos do racismo na infância e adolescência e sobre a necessidade de uma mobilização social que assegure o respeito e a igualdade étnico-racial desde a infância”.

Ainda que a campanha possa vir a ter efeitos bastante limitados e, geralmente, estimule iniciativas tratando do problema no plano cultural (sem provocar o enfrentamento de aspectos mais profundos, principalmente o econômico que estrutura e sustenta a existência da discriminação), trata-se de uma iniciativa válida que deve ser apoiada por toda sociedade civil.

Abaixo, transcrevemos as contribuições que a campanha sugere para combater o racismo na infância e na adolescência:

1. Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas, raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.

2. Textos, histórias, olhares, piadas e expressões podem ser estigmatizantes com outras crianças, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer.

3. Não classifique o outro pela cor da pele; o essencial você ainda não viu. Lembre-se: racismo é crime.

4. Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apoie-o. Mostre-lhe que a diferença entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente. Toda criança tem o direito de crescer sem ser discriminada.

5. Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa no conselho tutelar, nas ouvidorias dos serviços públicos, na OAB e nas delegacias de proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.

6. Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.

7. Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à diversidade étnico-racial.

8. Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e supervisores.

9. Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.

10. As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da população negra; e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também adotar essa postura.

Camilo Onoda Caldas é bacharel em Direito e mestre em Direito Político e Econômico (Universidade Presbiteriana Mackenzie), doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – Universidade de São Paulo (USP). É também Bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). É autor da obra Perspectivas para o Direito e a Cidadania (Ed. Alfa-Ômega) e, em conjunto com outros autores, do livro Manual de Metodologia do Direito: Estudo e Pesquisa (Ed. Quartier Latin). Foi editor da revista jurídica Direito e Sociedade. Foi pesquisador na área de Direito em projeto do Ministério da Justiça do Brasil em parceria com as Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, é Diretor do Instituto Luiz Gama, advogado, colunista político do jornal O Regional, professor da Universidade São Judas (São Paulo) e de cursos preparatórios na Área de Direito.